Entrevista com o Pe. Luis Miguel, Missionário Espanhol

Neste mês missionário, entrevistamos o Pe. Luis Miguel, Missionário Espanhol que passou em nossa diocese, pelas paróquias de Itaeté, Andaraí e Piritiba e atualmente está na Amazônia. Confira:

Qual é a importância da missão para a Igreja?

A missão é o elemento que define a própria Igreja, podemos afirmar que uma Igreja que não é missionaria perde seu fundamento vital.
Neste ano completamos dez anos da Conferência de Aparecida, que fez um chamado à igreja latino americana a ser mais missionaria, a sermos discípulos missionários a partir do nosso batismo. Junto com esse chamado foi lançada a proposta da Missão Continental, que parece ter ficado no papel em muitas dioceses.
O Papa Francisco, que não devemos esquecer foi o relator do Documento de Aparecida, nos chama a ser Igreja em saída, a uma conversão pastoral, que nos leve a nos fazermos presentes na vida do povo. Devemos superar estruturas caducas, deixar de pensar que é o povo quem tem que vir à procura da Igreja, quebrar com a velha estrutura de templo, de matriz, ajudar o povo vivenciar sua fé em pequenas comunidades, onde a vida é partilhada, onde todos se sentem em casa.
Igualmente devemos entender que a missão é tarefa a ser assumida por todos e todas. Temos que acabar com o clericalismo, presente também na mente de muitos leigos e leigas, que nos leva a pensar que o trabalho do padre é o único que presta, que ele sabe e o povo tem que escutar e obedecer calado. Sem os leigos e leigas muitas comunidades no Brasil afora já teriam acabado, pois são eles quem no dia a dia, num trabalho de formiguinha, vão fazendo vida o Evangelho no meio do povo.
Por isso, cada vez é mais importante a formação do laicato, desde uma dimensão missionaria, dando instrumentos que ajudem no trabalho evangelizador.

 

Quais são suas lembranças da sua passagem pela nossa diocese de Ruy Barbosa?

Posso dizer que minha passagem na diocese de Ruy Barbosa tem marcado minha vida como cristão e como padre. Trabalhei mais anos na diocese do que em minha diocese de origem, a arquidiocese de Madri, na Espanha.
No meio de vocês descobrir e assumi um novo jeito de ser Igreja, mais comprometida com a vida do povo, especialmente daqueles que mais sofrem. Foi um processo de aprendizado que foi me convertendo em alguém diferente, melhor, e que me levou a assumir um jeito de entender a Igreja desde perspectivas mais próximas ao Evangelho, o que nem sempre foi entendido por todos.
Ruy Barbosa me levou a descobrir que a fé e o conhecimento de Deus brotam da vida e não dos livros, que o povo simples nos ensina muito. Nesse sentido, posso dizer que o que melhor representa isto é a figura de dona Nay, recentemente falecida, que morava na comunidade de São Judas Tadeu, em Itaetê. Uma mulher da roça, analfabeta, mas uma grande testemunha desse Deus que descobri nos sertões da Bahia, alguém que, como muitos outros que fui me encontrando nas comunidades que acompanhei, era missionaria com a vida.
Na diocese realizei muitos trabalhos, muitas vezes cansativos, missões que me levaram a percorrem longas distancias, mas posso dizer que se hoje pudesse recomeçar de novo esse tempo, não duvidaria em fazer mais uma vez essa experiência, pois em mais de nove anos foram muitos os momentos em que Deus se fez presente na miha vida e me encheu de alegria.

 

Como é sua nova experiência missionaria na Amazônia?

A Amazônia é um mundo completamente diferente. Atualmente moro bem na tríplice fronteira entre o Brasil, a Colômbia e a Venezuela, num distrito do município de São Gabriel da Cachoeira, chamado Cucui, na beira do Rio Negro, que contemplo a cada momento desde casa e que me leva e me traz nas visitas nas comunidades. Aqui a fronteira não faz parte da vida do povo que vai e vem constantemente para as coisas mais simples, como pode ser pescar, caçar, fazer a feira ou visitar um parente que mora do outro lado.
Acompanho 18 comunidades indígenas espalhadas no Rio Negro e no Rio Xié, algumas muito distantes, pois a única possibilidade de chegar lá é fluvial. Chegar nas comunidades tem um alto custo em tempo e dinheiro (uma itinerância pode chegar a ter um custo de 1.600 reais). O trabalho se organiza de forma diferente, pois quando vou fazer itinerância, passo oito o dez dias nas comunidades, um dia em cada uma delas, dormindo na rede, comendo o que o povo oferece, geralmente peixe, caça, farinha e beiju. Consigo visitar as comunidades quatro ou cinco vezes por ano, mas já teve momentos em que essa visita era uma ou duas vezes cada ano.
São comunidades isoladas, onde as condições de vida não são fáceis. Na diocese de São Gabriel da Cachoeira existem comunidades onde o povo demora oitos ou dez dias para chegar na cidade, único lugar onde tem banco, pode-se receber o dinheiro do Bolsa Família, comprar alimentos, remédios, roupas… Nesses lugares o poder público é muitas vezes ausente, a educação e saúde são muito precárias.
Diante disso a gente muitas vezes se limita a escutar a conversa do povo, partilhar a vida, aprender com seu jeito tão diferente e que tanto nos ensina. Nestas comunidades a floresta está conservada praticamente em sua totalidade. Os indígenas são mestres em sustentabilidade ambiental, pois eles têm uma relação de sacralidade com a Mãe Terra.
A diocese de São Gabriel da Cachoeira é muito grande, 293.000 km quadrados, mais da metade do território do estado da Bahia. As estradas são praticamente inexistentes e o número de padres é pequeno. Atualmente são 11 paroquias e mais ou menos 20 padres, a maioria missionários. Também existe um bom grupo de religiosas, principalmente salesianas, pois esta diocese desde sua criação em 1915 até 2009 só teve bispos salesianos, daí a grande presença de esta congregação religiosa. Por isso, a importância dos animadores, aqui chamados catequistas, e sua formação para que possam realizar seu trabalho evangelizador, o que nem sempre é fácil de realizar devido as distancias e o alto custo das viagens.

 

Como missionário ad gentes, qual é o apelo que você faz em referência à missão?

Na diocese de Ruy Barbosa sempre tem se cuidado essa dimensão missionaria, com momentos que são marcantes na vida da diocese, como a Missão Diocesana. Mas também é esse um trabalho que é desenvolvido em muitas paróquias e comunidades.
Mesmo assim, o esforço deve aumentar. Hoje mais do que nunca somos chamados a nos fazermos presentes na vida do povo, nem só com as palavras, mas também com atitudes proféticas que ajudem o povo a sentir a presença de uma Igreja que quer fazer realidade um Deus que sempre caminha com seus filhos e filhas.
As vezes a gente vê nas redes sociais, no site da diocese, atividades nesse sentido e fica feliz com esse tipo de iniciativas, sobretudo quando se faz presente a juventude.
Aproveito para agradecer pelo tempo que caminhamos juntos e mandar lembranças para o povo da diocese, mas também para pedir rezem pela missão da Igreja, aqui na Amazônia, na diocese de  Ruy Barbosa, em qualquer lugar do mundo. Cada um de nós é chamado a anunciar aquilo que fundamenta nossa vida e alegra nosso coração, o Deus que sempre caminha no meio de nós.

Você também encontra mais sobre a missão de Pe. Miguel no blog pessoal, basta acessar:
http://blogs.periodistadigital.com/luis-miguel-modino.php

#pascomDiocesana

 

 

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